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O ENVELHECIMENTO NO SÉCULO XXI:

O QUE PAÍSES COMO CANADÁ, FRANÇA E BÉLGICA TÊM A DIZER?

Parte II
Há diferença de gênero entre os aposentados?
E chegamos à Bélgica, mais precisamente à Universidade de Liège para abordarmos um tema muito atual. Em um longo artigo intitulado “Vieillir quand on est une Femme” (Envelhecer quando se é Mulher, em tradução livre), é traçado um amplo panorama do envelhecimento, em especial na fase da aposentadoria, com o foco nas diferenças sociais, culturais e psicológicas entre homens e mulheres. Suas autoras são Bernadette Badwin Legros, professora de sociologia na Universidade de Liège e Marie-Thérèse Casman, pesquisadora na mesma Universidade.5
Esse artigo é de 2001/2, mas eu o escolhi por duas razões. Uma, pela atualidade e pertinência do tema e outra, porque os efeitos de sua análise estendem-se até os dias de hoje, como se pode verificar no artigo “Les pensions” (nesse caso “As aposentadorias”), do site “Vivre en Belgique” (Viver na Bélgica) atualizado nesse ano de 2017. “A evolução da expectativa de vida, a evolução da qualidade de vida e o fato de que mais e mais frequentemente homens e mulheres trabalham e terão direito, cada um, a uma aposentadoria, trazem sérios problemas para o setor da previdência social. Será necessário pagar aposentadorias elevadas e durante muito tempo. Os anos 2010-2030 serão particularmente difíceis. É a época em que as crianças do baby boom do pós Segunda Guerra mundial chegarão à idade da aposentadoria.”6
Segundo as autoras do artigo “Envelhecer quando se é mulher”, em um primeiro momento, nessa época da vida desaparecem todas as diferenças de gênero, surgindo apenas uma categoria uniforme – “pessoas idosas”. Infelizmente, essa uniformização comporta apenas uma visão positiva desse período da vida, pois, frequentemente, é em termos de encargos, dependências e perdas que a condição dos mais idosos é evocada, sobretudo quando eles não possuem mais integralmente esse valor máximo da nossa sociedade, que é a autonomia.
Essa forma de apagar as diferenças na velhice coloca algumas questões. De fato, constata-se que as pessoas que vivem mais tempo são... as mulheres. Assim, o que deveria ser uma vantagem transforma-se, às vezes, em um problema para a própria pessoa idosa que sofre por ser um peso no seu ambiente e na sociedade.
Os países europeus também vêm sua população idosa crescendo. Como as mulheres têm uma expectativa de vida maior do que os homens há uma “feminização” dessa mesma população. A maior longevidade das mulheres é geralmente explicada por fenômenos relativos ao seu modo de vida: menos álcool e menos fumo, acompanhamento médico mais regular, uma importância maior dedicada à higiene.
No entanto, as autoras afirmam que as disparidades de gênero em matéria de longevidade não podem ocultar outras desigualdades sociais. A categoria “pessoas idosas” não se refere a uma população homogênea. As disparidades podem se esvanecer um pouco, mas esta fase da existência reúne pessoas que tiveram percursos, status e posições sociais muito variados. Duas pessoas com 75 anos, que tiveram experiências de vida, aspirações e necessidades diferentes, terão, consequentemente, velhices diferentes.
A sociedade moderna desenvolveu uma visão instrumental dos indivíduos e, na velhice, há uma espécie de marginalização dos que se aposentam. E, novamente, em quem essa marginalização vai pesar mais? Nas mulheres, exatamente porque são elas que, habitualmente, transmitem valores “alternativos” tais como receitas ou tradições familiares. Numa época em que a evolução tecnológica torna os processos de aprendizagem rapidamente caducos e, portanto, não transmissíveis, as mulheres perdem também esse papel. Na velhice, a bagagem das mulheres se compõe, muito frequentemente, de dependências diversas, solidão, pobreza e desorientação.
Nesse ponto, as autoras passam a abordar a questão dos maus-tratos, citando um estudo que, em 1997, o Ministério do Trabalho da Bélgica solicitou às universidades de Liège e de Leuven sobre os maus-tratos em casas de repouso e no domicílio.
As mulheres, que frequentemente têm um passado de submissão, primeiro em relação a seus pais, depois em relação ao marido e que são pouco habituadas a se afirmarem, a se revoltarem ou a se organizarem, constituem um público ideal de instituições que ainda podem ser descritas como autoritárias, ainda que haja, pouco a pouco, uma tomada de consciência e que mudanças estejam acontecendo tanto nas reflexões teóricas quanto na prática.
Em relação aos idosos que vivem em suas casas, o número de mulheres que vivem sozinhas é maior do que o dos homens, pelas razões já mencionadas. Nesse contexto, há vários níveis de manifestação da violência como, por exemplo, a violência verbal quando são feitas observações desairosas, quando se irrita com o idoso por uma opinião diferente. Há violência na negligência quando não se vai visitar o parente que vive sozinho ou quando nem mesmo se dá um telefonema ou simplesmente quando não se lhe dá atenção.
Conclui-se dos estudos realizados em relação à violência tanto em instituições quando em domicílio, que as mulheres são mais facilmente vítimas de violência do que os homens. “Estaria a causa desse fato na própria condição de serem mulheres?”, perguntam as autoras.
Essa abordagem da vivência das mulheres idosas mostra bem a que ponto a idade avançada, ainda que seja uma experiência biológica é, sobretudo, uma experiência social.
E, por ser uma experiência social, cabe afirmar que todos os estudos e todas as pesquisas devem ter como foco não apenas a melhoria da qualidade de vida dos que chegam à idade avançada, mas os cuidados preventivos, as mudanças de paradigmas, a eliminação dos estereótipos.

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